Deus se identifica plenamente com a humanidade. Em especial, com as gentes crucificadas, injustiçadas e exploradas pela impiedade de outros humanos. Ele faz “opções naturais”. E, ao fazer algumas opções, ele estabelece grupos de pessoas, os “bem-aventurados”, que têm “prioridade” no reino: os humildes de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores, os perseguidos por causa da justiça (Mt 5.1-12). Ele usa essas pessoas como modelo não porque são melhores que as demais, mas porque, dada a sua impossibilidade de alcançar êxito por suas próprias mãos (isto é, não têm “mérito” algum no que realizam), dependem exclusivamente da graça e favor divinos para viver; não têm nada mais além de Deus, assim podem pôr sua fé inteiramente Nele. Transpondo essa mensagem para a nossa realidade latino-americana, Orlando Costas fala sobre esses “privilegiados” do evangelho hoje:
São os povos autóctones e as minorias étnicas, os desempregados e os mal-pagos, os exilados, refugiados e imigrantes ilegais, os campesinos explorados e a subclasse social permanente que habita em guetos urbanos, subúrbios, favelas e lugares de miséria. São também as prostitutas, os presos, os alcoólatras e viciados em drogas; os idosos solitários e os jovens frustrados, as mulheres denegridas, os abusados, desprezados e os homossexuais rechaçados e deserdados (Costas, 1986, p. 85-86).
O mais interessante é que essas prioridades de Deus colocam à margem o que era central e no centro aquilo que é marginal: o maior é o menor no reino dos céus, e aquele que se humilha será exaltado – são princípios presentes nas boas novas de um Deus interessado na justiça e restauração da dignidade ao ser humano. Deus parece ter paixão pelo marginal – enquanto nós, muitas vezes temos ojeriza. Os “centros” parecem estar quase sempre muito focados em si mesmos e na manutenção de suas estruturas. Assim, o Espírito encontra alternativas “comendo pelas beiradas”, promovendo suas revoluções a partir das periferias da vida. Senão, por que o Filho foi nascer justo em Belém da Judéia, e não em Jerusalém? Por que o lugar de sua criação foi Nazaré da Galiléia e a simplicidade de uma vida no campo, entre os plebeus, a não o conforto e as mordomias (dignas de “rei”) no interior dos palácios de Jerusalém? Jesus sai do meio de gente desprezada e marginal, e passa a ser visto como um “comum” igualzinho a eles: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão?” (Mc 6.3), perguntaram os galileus ao se depararem com o Jesus profeta. Ele era muito galileu, muito humano, muito próximo deles para que pudessem enxergar o contrário. Todavia, as credenciais messiânicas de Jesus estavam precisamente em ele ter-se feito um desprezado, humano e pobre. E não apenas nisso, mas também, sendo Senhor e Rei, em ter-se feito servo de todos.
*Este texto não é de minha autoria, é um documento da FTSA (Faculdade Teológica Sul Americana).